Mea Culpa, tua Culpa: O enredo de uma história mal contada

Poderia começar por dizer que nos últimos meses foram os portugueses surpreendidos com a vincada e suspeita silhueta associada à venda de seis barragens da EDP aos franceses da Engie, que, envolta num nevoeiro cerrado e encobridor de conluios e negociatas assentes no tráfico de influências, é caracterizadora do que melhor tem sido feito pelos nossos governantes nos últimos anos. No entanto, não será uma verdade menor, afirmar que a dubiedade e a falta de transparência nos negócios do Estado, mormente, nos setores estratégicos, como seja a energia ou os transportes, se tornaram, durante a governação de António Costa, numa constante e habitual prática, que, para infortúnio do interesse público, tem vindo a orientar os nossos órgãos governamentais que, nos momentos de maior importância e quando sentados à mesa das negociações com grandes investidores privados e grupos económicos, se mostram incapazes de colocar o desenvolvimento nacional e o efetivo interesse dos portugueses em primeiro lugar. Isto para dizer que, este novo acontecimento é apenas mais um para o já longo arquivo de casos polêmicos da atual governação socialista.

Porém, in casu, estão em discussão mais de 100 milhões de euros de receita fiscal, num negócio de 2,2 mil milhões de euros que, para além das esquecidas promessas e expectativas promovidas junto das comunidades regionais aquando da aprovação do orçamento do Estado de 2021, se esfumam do erário público.

Mas, aqui chegados, vejamos o que está verdadeiramente em causa. À primeira vista, estamos perante a venda de um conjunto de ativos (de caráter estrutural para o desenvolvimento do país) a um consórcio internacional. No entanto, se aprofundarmos os contornos de um tal acordo negocial, percebemos que, em primeiro lugar, um dos intervenientes é o próprio Estado, detentor de um direito de preferência na sua aquisição, e dotado ainda do poder de aprovar ou vetar o negócio logo à sua nascença. Por outro lado, percebemos ainda que foi montada uma estrutura entre sociedades (algumas delas criadas, apenas e somente, para aquele efeito!), com o intuito de simular um negócio, na virtualidade de uma aparente restruturação empresarial, olvidando, através de tal construção jurídica, encargos do empreendimento, lesando direta e dolosamente os cofres do Estado, que veem mais de uma centena de milhões de euros ficarem por ser cobrados!

Mas, se isto não bastasse, encontramos um problema ainda de maior gravidade: depois de semanas de discussão intensa, de prestação de esclarecimentos pelos ministros responsáveis pelo dossiê, nomeadamente o Ministro das Finanças, João Leão e o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, é colocado a descoberto uma alarmante factualidade, isto é, constata-se que a viabilização de um tal negócio foi feito à revelia de todos os pareceres técnicos legalmente exigíveis, numa decisão elaborada durante a ceia de natal. Sim, durante a noite de Nata! E, neste ponto, saliente-se que, tais pareceres, indicavam, nada mais, nada menos, do que a menção clara de que não estavam reunidas as condições para a transmissão de tais ativos hidroelétricos (barragens): face ao estado de implementação das medidas ambientais; por estarem ações judiciais em curso sobre as mesmas; e, por último, por considerarem que o valor definido para aquela transmissão não corresponde ao efetivo e verdadeiro valor comercial.

Logo, a conclusão é só uma: exigem-se consequências políticas! Seja a demissão dos responsáveis ministeriais, seja do próprio Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, que detinha especiais poderes nesta operação! O que não podemos permitir é que, sobre o chapéu da cláusula anti-abuso, inquéritos criminais e investigações da própria Autoridade Tributária, se continuem a empurrar responsabilidades com a barriga, mantendo a num eterno limbo o escrutínio púbico e a devida assunção de culpas dos governantes responsáveis pela contínua desordem do nosso Estado!